O Presidente da República, João Lourenço, aceitou hoje o pedido de demissão do magistrado Rui Ferreira dos cargos de juiz presidente do Tribunal Supremo e de presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Tudo, obviamente, a bem da nação do MPLA. Angola é outro paradigma.
Em comunicado à imprensa, a Casa Civil do Presidente da República confirma a recepção do pedido de renúncia apresentado por Rui Ferreira do cargo que vinha exercendo até à presente data, e aceitou “no interesse da salvaguarda do bom nome da Justiça angolana”. Nos próximos dias, de acordo com o comunicado da Casa Civil do Presidente da República, vai ser dado início ao processo de substituição de Rui Ferreira, de acordo com o previsto na Constituição da República e na Lei.
Recuemos a 5 de Março de 2018. O Presidente da República apelou, em Luanda, ao presidente do Tribunal Supremo (do MPLA), Rui Ferreira, que se empenhasse na estratégia de combate à corrupção no país.
Para João Lourenço, que tem na propaganda e no marketing do combate à corrupção uma das “bandeiras” da sua política de governação, Rui Ferreira estava “à altura de prestar um contributo valioso” nessa tarefa.
Ao intervir no acto de posse do presidente do Tribunal Supremo, João Lourenço disse que o combate ao fenómeno da corrupção é uma missão árdua, sublinhando que cabe, sobretudo aos órgãos de justiça, com os seus instrumentos, “lutar contra essa prática”.
Em declarações à imprensa, no final da cerimónia, Rui Ferreira definiu a melhoria do sistema de administração da justiça e reforma da organização judiciária no país, como prioridades do seu mandato.
Dentro dessa estratégia, Rui Ferreira pretendia – disse então – melhorar a organização e o funcionamento do Tribunal Supremo, bem como estender essa acção aos demais tribunais comuns.
No sistema jurídico angolano, o presidente do Tribunal Supremo é nomeado pelo Presidente da República, de entre três candidatos seleccionados por dois terços dos juízes conselheiros em efectividade de funções. Cumpre a função por um mandato de sete anos, não renovável.
O combate à corrupção é uma das mediadas contidas no Programa de Governo sufragado com carradas de batota mas tendo a cobertura do então presidente do Tribunal Constitucional, Rui Ferreira, pelo MPLA nas eleições de Agosto de 2017.
O exemplo de Rui Ferreira e do Tribunal Constitucional do MPLA
O que a maioria sabia e previa, e os ingénuos ainda tinham a remota esperança de que fosse diferente, aconteceu da forma mais frívola e juridicamente incoerente, com a violação do roteiro da norma jurídica, por parte do Tribunal Constitucional. Estávamos no início de Setembro de 2017.
Este órgão, maioritariamente composto por homens de toga preta e forro vermelho, não disfarçou o favorecimento à veia matriz, ao indeferirem, com argumentos considerados juridicamente (mas não só) barrocos, os recursos interpostos pelos partidos da oposição.
A ossatura reivindicativa assentava na necessidade de a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) ser levada a cumprir a Constituição de 2010 e a Lei 36/11 de 21 de Dezembro, Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, quanto à realização do apuramento provincial (artigos 126.º à 130.º), não realizado em 15 das 18 províncias e, ou, à recontagem dos votos, de acordo com as “Actas das Operações Eleitorais”, como estipula o art.º 123.º.
Ao império da lei, o Tribunal Constitucional (presidido por Rui Ferreira, importa não esquecer) impôs o império da partidocracia. Era expectável, quando previamente à decisão, um alto dirigente do MPLA, dois juízes conselheiros e um alto funcionário do Tribunal Constitucional se pronunciaram verbal e por escrito, nas redes sociais, sobre a vitória eleitoral, assente na “lógica da batata e na lei da batota” do “dono disto tudo”.
O órgão constitucional, na sua maioria, foi fiel à gamelada partidocrata e não poderia, melhor, estava impedida, de deferir em sentido contrário à determinação da obediência ao poder de nomeação.
Ninguém, chegados aos 61%, poderia ousar trair a honestidade de uma mentira, laboratorialmente engendrada, nos areópagos do regime.
Daí o Acórdão 462/2016, de 13 de Setembro, do Tribunal Constitucional entrar para a jurisprudência, como peça processual caricata do regabofe “judicialista”, na linha da pusilanimidade imposta pelo regime.
Por outras palavras, é a tese oficial de que desde que seja a favor do MPLA, mande-se a Constituição às urtigas e interprete-se a lei de acordo com a vontade de quem manda.
Nada aponta ter-se discernido fora da trambiquice golpista, que empunhou as baionetas contra a petição da oposição, para avaliação e recontagem dos números do escrutínio provincial eleitoral, em nome da verdade eleitoral, da defesa da incipiente democracia e da transparência e segurança tecnológica, art.º 116.º da Lei 36/11.
É perigoso passar-se a mensagem de que roubar a vontade cidadã, o civismo do eleitor, o voto e o sonho dos povos de Angola tem respaldo e protecção incondicional dos órgãos judiciais decisórios. Mas foi isso que Rui Ferreira pensou, e executou, enquanto presidente do Tribunal Constitucional, tal como foi isso que pensou e executou como presidente do Tribunal Supremo.
Demonstrar estar o prevaricador mancomunado com a bandalheira do Direito, que inocenta e estimula o corrupto na rota da delapidação do erário público, é muito grave. Exigia-se um pouco de bom senso e compromisso com a verdade, porquanto as alegações da oposição mereciam uma investigação aprofundada e não a tomada das contra-alegações da “CNE do MPLA”, como verdades absolutas, quando a divisão no seio deste órgão foi a tónica dominante, com comissários nacionais eleitorais a não reconhecerem os resultados provisórios e definitivos, por terem sido anunciados em sentido contrário à lei:
a) Existência de um grupo técnico, estranho ao conhecimento da maioria dos comissários e da CNE, que fornecia dados nas províncias para as CPE (Comissão Provincial Eleitoral) transmitirem à CNE, diferentes das actas de operações em sua posse;
b) A CNE foi denunciada, com elementos probatórios, de favorecimento, a um dos concorrentes: o MPLA, fazendo ouvidos mocos e cegueira, a todas arbitrariedades por este partido cometidas, desde usar os boletins da CNE, aos carros eleitorais;
c) Inexistência de apuramento provincial em 15 províncias;
d) Desconhecimento da origem da fonte dos resultados provisórios: se internos (apenas do grupo de comissários do MPLA) ou de órgão externo;
e) A publicação dos resultados definitivos feriu violentamente a lei, por não assentar no apuramento provincial.
A todas violações cometidas, o Acórdão n.º 462/2017 do Tribunal Constitucional, decidiu, talvez no pedestal de cumplicidades espúrias, negar provimento, à oposição e dar razão à CNE e ao partido da situação, pois tal como fez Agostinho Neto em 27 de Maio de 1977: “Não vamos perder tempo com julgamentos”, decretando a pena de morte, também aqui o Tribunal Constitucional não perdeu tempo em investigar e aprofundar as denúncias constantes nos recursos dos partidos da oposição, principalmente, o recurso interposto pela UNITA, rejeitando os factos e elementos de prova destes por – pasme-se – não terem dado entrada nas províncias e não terem vindo anexos às actas que, propositadamente, a CNE teria instruído, segundo uma fonte eleitoral, as CPE a não enviarem, justamente para este desfecho em actas falsas.
Mas atirando para canto, o Tribunal Constitucional (presidido por Rui Ferreira) descredibilizou-se ao falar em actas falsas, documentos indevidos, em posse da oposição, na lógica das contra-alegações da CNE, quando lhe cometia averiguar e apurar as razões de não ter havido apuramento do escrutínio provincial e outros actos importantes.
Mas as heresias do Tribunal Constitucional, segundo os críticos, prenderam-se com a legitimação dos resultados provisórios elencados pelos partidos reclamantes, principalmente, por um número considerado de comissários eleitorais, da própria CNE, ter vindo a público denunciar a estranheza da publicação dos resultados provisórios, uma vez os mesmos não resultarem de actas ou dados enviados pelas províncias, ao Centro Nacional de Escrutínio. Este acto seria dado bastante para o Tribunal apurar e notificar os comissários para o fornecimento de mais elementos, visando apurar a verdade material.
Mas como ao “concorrente-mor” tudo se permite, não careceu de apuramento ou investigação a origem do misterioso “grupo técnico”, uma vez terem cumprido, exclusivamente, a missão de fornecer votos ao MPLA e roubar aos partidos da oposição.
Será que o Tribunal Constitucional (de Rui Ferreira) optou por andar de heresia em heresia até à heresia final? Sim, bastando ver o aparente reconhecimento de ilicitude da CNE, mas logo conotada como uma simples falha, sem dolo, logo desculpável, pese a relevância, das decisões e actos do órgão eleitoral decididas tardiamente, terem tido influência nos resultados finais.
Mas numa demonstração de dois pesos e uma medida, em se tratando de actos tardios da oposição, eles são gravosos e o Tribunal Constitucional considera-os desertos, por fora dos prazos. É a lógica de aos nossos se permitir tudo e, aos outros, do outro lado, só a pena de morte por fuzilamento…
E a cereja no topo de bolo aí está agora com toda a pompa e circunstância. Quem ajudou à batota, à vigarice, à corrupção foi premiado, obtendo de mão-beijada o cargo de presidente do Tribunal Supremo e de presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial.
Até hoje e, estamos em crer, apenas temporariamente.